sexta-feira, 27 de março de 2009

CAPÍTULO 22

Era a praia mais bonita que Lucila já havia visto. A água completamente azul, areia branquinha. Não tinha uma viva alma. Apenas os dois. Sentados sobre uma canga azul, embaixo de um guarda-sol também azul, ele a servia de vinho tinto e colocava uvas na sua boca. Entre um gole e outro, os dois se beijavam. Não demorou muito e estavam deitados fazendo amor. E ele sussurrou no seu ouvido:
- Dona Lucila, chegou uma encomenda pra senhora.

Lucila olhou pra ele e perguntou sem entender?
- O quê?

Ele respondeu:
- Tá aqui na portaria. A senhora quer que coloque no elevador?

Lucila olhou em volta. Parou e suspirou. Não tinha praia, vinho, muito menos Rafa. Com o interfone na mão começou a entender o que estava acontecendo. Então respondeu ao porteiro que estava do outro lado da linha:
- Ah Seu Geraldo, obrigada. Por favor, põe no elevador que eu pego aqui. Obrigada.

Lucila pensou em voz alta:
- Esse filho da mãe! Tinha que me tirar daquele sonho maravilhoso? Logo agora!??

Abriu a porta e esperou o elevador subir. A cara amassada e a camisola velha com estampa do Snoopy a impediam de aparecer publicamente, por isso ficou espiando pela fresta da porta pra se certificar de que não teria ninguém no elevador. E não tinha. Apenas uma caixa de papelão pardo, com um envelope preso na parte de cima. Era de Bruna. Apesar da curiosidade, Lucila foi ao banheiro, escovou os dentes, lavou o rosto e ligou a cafeteria. Sento-se no sofá, colou a caixa no colo.

Pegou seu café e depois abriu a caixa. Dentro havia uma pasta com a logomarca da Polícia Federal. No alto em letras maiúsculas “RELATÓRIO INVESTIGAÇÃO ZACARO”. Curiosa, apesar do sono, abriu a pasta e começou a ler. O excesso de formalismo da escrita dificultava a leitura, mesmo assim Lucila foi adiante. Logo na introdução se deteve em alguns pontos que explicavam melhor o que era aquele documento:

‘... por meio desta apresento para o conselho as conclusões finais da investigação sobre as suspeitas de irregularidades em contratos da Juca Andrade Equipamentos Hospitalares com o governo do Estado do Rio de Janeiro, administrados pelo sócio-diretor do conselho, Sr. Marcelo Zacaro e o ex sub-secretário de saúde, deputado e pai do Sr. Marcelo - Sr. Waldemar Zacaro...”

Lucila deu um pulo no sofá. Aquilo era um relatório de uma investigação sobre contratos entre a JAEH e o governo. Até aí tudo bem, nenhuma novidade. Só que o alvo da investigação era Marcelo Zacaro e seu pai Waldemar Zacaro. Assustada, continuou lendo com toda atenção. O relatório descrevia uma série de contratos onde claramente os equipamentos vendidos ao governo eram superfaturados. Além disso, a PF declarava que foi aos hospitais descritos como recebedores dos equipamentos e nenhum deles tinham recebido nenhum equipamento.
O mais assustador é que o relatório estava direcionado ao Sr. Juca Andrade, que solicitou ajuda à PF após suspeitar do esquema em sua empresa.

Sem mais ter o que fazer, Lucila riu. Riu alto! Forçado. Sozinha na sua sala falou alto pras paredes:
- Eu estou em um filme? O mundo está acabando? Querem me enlouquecer?

Enquanto dava sua piradinha particular, daquelas que todo mundo faz quando está sozinho, o telefone tocou. Era Ana absolutamente nervosa:
- Lucila! Lucila pelo amor de Deus! Liga a televisão na Globo! Rápido!

Lucila obedeceu e deu de cara com a foto de Marcelo Zacaro em pleno noticiário. A reportagem era sobre a descoberta da PF de um esquema da família Zacaro. Explicavam que Waldemar Zacaro se aproveitou do cargo de secretário de saúde para aprovar os contratos da JAEH, empresa que seu filho era sócio diretor. Segundo a repórter, Marcelo dava baixa na saída dos equipamentos, mas não os entregava. Para conseguir fazer isso numa empresa particular, a Polícia desconfiava que ele tivesse mais cúmplices e ainda estava investigando.
Ainda dizia que Marcelo Zacaro estava foragido, mas seu pai Waldemar já teria prestado depoimento. Cenas de porta de delegacia e entrevistas com diretores de hospitais atestando que realmente nunca receberam nenhum novo equipamento.

Ana berrou no telefone:
- O que é isso? Será que Juca arrumou um jeito de incriminar o Marcelo??

Lucila não respondeu. Correu pra abrir o envelope que veio junto com a caixa. Dentro haviam dois bilhetes, um com o nome de Lucila e outro escrito “Ana”. Lucila abriu o seu e leu em voz alta:

Lucila,
Você sabe que é minha melhor amiga. Uma pessoa especial na minha vida. Com você passei melhores momentos, sem falar que sempre pude contar contigo. Mas agora meu caminho mudou de rumo e provavelmente não nos veremos tão cedo. Nem sempre temos a segurança de estar fazendo a coisa certa. Mas eu me apaixonei por Marcelo. Faz sete meses que estamos juntos. Eu tentei lutar contra, mas não consegui. Não tive coragem de contar pra vocês, estava com vergonha, pois sabia que não era o certo.
Desculpa te envolver naquele teatro todo na JAEH, você vai saber a verdade quando ler o relatório anexo. Naquele momento achava que era o certo. Já sabia que estava grávida de Marcelo e precisava achar um jeito de me separar e de salvar a reputação de Marcelo. Ele errou, eu sei. Ele foi influenciado pelo pai. Mas está arrependido. Acredite: ele é um homem maravilhoso. Tenha certeza de que estou no momento mais feliz da minha vida.
Espero que um dia me perdoe e entenda que por amor, somos capazes de fazer qualquer coisa.
Espero que Juca um dia me entenda também. Por favor, cuide dele, ele precisará dos amigos quando souber que fugi com Marcelo.
Um beijo da amiga que nunca vai te esquecer.
Bruna

PS : por favor entregue a outra carta para Aninha.



Lucila respirou. Era muita informação. A pedido de Ana leu a carta endereçada para ela. Era basicamente a mesma coisa. Porém ela pedia desculpas por não estar presente no casamento. O celular de Lucila tocou. Era Rafa:
- Oi. Você está com a TV ligada?

Ana berrou do outro lado da linha:
- Aninha é o caralho! Ela ficou louca? Apaixonada??? Ela perdeu a noção! Que se dane! Meu Deus ela vai ser presa, Lú!

Os três estavam arrasados. Como Bruna, uma pessoa tão correta, tão ética, podia ter sido conivente com isso tudo e ainda tentar incriminar o Juca? Era algo que eles nunca imaginariam. Bruna mentiu pra eles todo esse tempo e Juca e Manú eram as vítimas, não os vilões.
Se dividindo entre os dois telefones, eles combinaram de se encontrar.

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