Ainda de ressaca sentimental e alcoólica, Lucila estava calada. Não participava da festa que seus amigos faziam na casa. Claro, que todos perceberam, mas associaram ao mal-estar causado pela bebida.
Lucila maquinava várias coisas e mentalmente fazia uma lista de assuntos que gostaria de resolver logo do início do ano. Bruna era um destes assuntos. Lucila se sentia usada pela amiga. Uma mistura de raiva e preocupação tomava conta dela cada vez que pensava no assunto. Tudo que Lucila fez e ela não teve nenhuma consideração. Chegou até a retomar o contato com Rafa, um perigo para sua vida. E nada disso Bruna reconhecia. Simplesmente sumiu sem dar a mínima pra ela.
No meio dos seus pensamentos Ana ligou. Estava radiante com sua última prova de vestido. “Felicidade absoluta”- pensou Lucila. Era muito bom ouvir uma voz tão empolgada de uma noivinha transbordando boas energias. Ana contou tudo sobre as últimas decisões do casamento. Contou sobre a reforma do apartamento, sobre a lua de mel. Lucila se deliciou em ouvir. Ana casaria logo e Lucila acompanhava cada passo. Aliás, Lucila e Bruna, mas agora as duas não sabiam de Bruna.
Como se as duas pensassem ao mesmo tempo em Bruna, fez-se um silêncio. Logo depois Ana falou:
- Lú, o que houve com nossa amiga? Eu não posso acreditar que a Bruninha sumiu desta maneira sem se preocupar com a gente. Isso não faz sentido. Ela sempre foi a mais ajuizada de nós. Tenho certeza que alguma coisa muito séria está acontecendo.
Lucila respirou fundo concordando com a amiga, que continuou a falar:
- Desculpe a aminha ausência nesse assunto. Sei que estou sendo egoísta só falando de festa, casamento, vestido. Eu confesso que em um primeiro momento só me preocupei com o vazio no altar. Afinal, Bruna e Juca são ou eram meus padrinhos. Depois cai na real e percebi que ela jamais faria isso comigo. E eu nem pra te ajudar. Imagino como deve estar sendo difícil pra você lidar com isso. E lidar com Rafa. Como eu posso te ajudar?
Ah! Como era bom ter uma amiga como Ana. Não era preciso falar nada. Ela sabia. Conhecia Lucila como ninguém. Normalmente rebateria a afirmação. Sempre gostava de se mostrar forte, dona de si. Mas desta vez nem pensou em negar. Com frio na barriga, desabafou:
- Ai Aninha, não me lembro de um fim de ano tão complicado e confuso pra mim. Tudo que estava em seu lugar parece ter saído. Não sei o que fazer com Bruna, como ajudar. Não sei nem por onde começar. – outro suspiro, uma limpada na garganta. – O Rafa me mandou flores antes de viajar pra Bahia. Voltei a lembrar de nós dois. Sempre achei que este era um assunto encerrado na minha vida. Mas não é. Sei que tenho que me afastar, mas não sei como.
- Lucila, vocês tiveram uma história enorme juntos. É natural que você ainda se abale. Mas precisa pensar e ser racional nesta hora. Vamos nos concentrar na Bruna. Isso ajuda a não pensar em besteira e ajuda a resolver este problema.
- Ok. Você tem razão. Mas por onde começamos? Tudo que sabemos é que ela está grávida e anda por aí com um tal de Marcelo Zacaro, sócio-diretor da JAEH.Nesse momento Lucila se lembrou de Manú na casa ao lado. Contou a amiga do papel ridículo fez ao se esconder da garota. Mas Manú não ajudaria a encontrar Bruna. Elas nunca se deram bem e não seria agora que Bruna havia descoberto as sujeiras da JAEH que iria se aproximar da cúmplice do seu marido. As duas falavam sem parar até que Ana falou mais alto:
- Lú, a única pista que temos é esse Marcelo. Podemos tentar descobrir onde ele mora. Eu posso, eu estou no Rio. Vou procurar na lista telefônica ou posso descobrir por uma secretária na JAEH. Eu vou lá! Deixa comigo!
- Mas é véspera de réveillon?
- E daí? Você acha que Bruna está pensando nisso? Ela nem deve se lembrar que o ano está acabando. Vou atrás disso! Eu te ligo! Beijo!
Antes que Lucila pudesse dizer alguma coisa, Ana desligou. Lucila ficou pensando que sorte tinha em ter Ana por perto. Todo esse tempo tentou não a envolver em nenhum dos seus problemas, pois acreditava que Ana precisava viver com plenitude esse momento “noiva”. Mas Lucila precisava mesmo de uma mão amiga. E agora sentia-se mais leve e disposta.
A essa altura todas as tribos da casa já tinham seus integrantes. A ala arco-íris era composta por Flávio, Tadeu e Marcos. A ala heterossexual tinha além de Lucila e Carla, os dois primos de Carla e dois amigos. Lucila até se interessou por um deles, desconsiderando completamente o fato do rapaz ter apenas 22 anos.
Além disso, havia duas meninas que foram parar na casa nem se sabe como. Talvez amigas do amigo do amigo. Mas a casa era grande e comportava todo mundo muito bem.
Em sua primeira noite, a casa parecia mais o primeiro episódio de um reality show. Claro, desconsiderando os móveis velhos, a pintura descascada e as infiltrações disfarçadas por lenços, lençóis e muita criatividade. O clima era de muita empolgação. Todos se cumprimentavam, contavam suas histórias, suas origens e tentavam agradar. O som estava alto e outras pessoas começaram a chegar. Eram amigos e conhecidos que estavam hospedados por perto que também iriam pra festa na noite de réveillon. Parecia um pré-réveillon. Alguns vizinhos do condomínio também apareceram, convidados pelos primos de Carla.
Lucila não reparou quando Manú entrou na casa acompanhada de duas amigas.
Entre uma cerveja e outra Lucila flertava com seu rapazinho de vinte e dois aninhos. Jogadas de cabelo, risadinhas, piscadinhas. Puro charme. Lucila precisava relaxar e nada melhor do que se sentir desejada para levantar a moral. Ele pegou na sua mão e a puxou em direção à varanda. Chegando lá, um carinho aqui, outro ali. De repente alguém a cutucou.
- Essa é uma situação bem mais interessante para nos encontrarmos do que aquele barraco que sua amiguinha fez com meu chefe, não acha? – disse Manú sarcasticamente e fazendo questão de reparar na pouca idade do amigo de Lucila. Sorrindo ela continuou:
- É! Você sabe como se divertir Lucila. Pena que sua amiga não saiba.
Lucila deu um pulo, se afastando do rapaz e indo em direção a Manú:
- O que você quer dizer com isso?? O que você tem a ver com o sumiço de Bruna? – Segurando o braço de Manú, repetiu: - Cadê minha amiga? O que vocês tem a ver com isso? – a essas alturas o rapazinho já tinha saído de fininho, deixando as duas sozinhas. Manú em um solavanco se soltou e gritou:
- Você está louca? Não admito que encoste em mim. Você é desequilibrada igual a Bruna! Empurrando Lucila, ela saiu da casa.
Lucila ligou correndo para Ana e contou tudo que havia acontecido. As duas que já não gostavam de Manú, agora tinham verdadeira ojeriza. Ana estava decidida em ir atrás do Marcelo. Ela achava que Bruna só poderia estar com ele.
As duas ficaram de se falar nos próximos acontecimentos.
A casa já estava ficando vazia e com cara de fim de festa. Lucila não pensou duas vezes, foi se deitar. Queria estar bem disposta no dia seguinte, o último dia do ano. Mais do que nunca Lucila acreditava no milagre da mudança de ano para acalmar sua vida.
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
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"Ainda de ressaca sentimental e alcoólica" me vi nesta frase
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