quinta-feira, 19 de março de 2009

CAPÍTULO 20

De volta a rotina, todos bronzeados, o trabalho custou a engrenar. Parte desta dispersão por culpa da própria Bardot, a dona do escritório, que queria saber cada detalhe da viagem de seus funcionários. Ela ouvia Flávio e Tadeu contarem apaixonados que vão morar juntos, as lamentações de Carla a respeito do cara que conheceu, as condições da casa, etc. Lucila não falava nada, apenas ouvia e concordava com os amigos.
Clô, que era eternamente do contra e que já se sentia excluída por não ter sido convidada, agora ouvia os relatos da sua mesa, tentando parecer não estar prestando atenção.

Quando todos finalmente foram para suas mesas, Bardot chamou Lucila na sua sala. Pediu pra que Lucila se sentasse e então falou:
- Temos muito trabalho minha menina! Temos que fazer um projeto inesquecível! Algo novo! Extraordinário!

Lucila concordava, mas sem muito entusiasmo. Certamente Bardot percebeu sua apatia, pois interrompeu o que falava para perguntar:
- Lucila, tá tudo bem? Você estava tão empolgada com este projeto quanto eu. O que houve? Nem sobre a viagem você abriu a boca.

Lucila sentiu vergonha de não estar entusiasmada em ser a principal arquiteta do maior projeto do escritório. Tentou mudar a impressão da chefe:
- Imagina, Bardot! Claro que estou muito entusiasmada com esse projeto! Tenho várias idéias que gostaria de te mostrar. Eu só estou cansada mesmo. Pegamos o maior trânsito ontem pra voltar.

Bardot balançou a cabeça, mas não parecia estar convencida. Começaram a fazer uma lista de pendências, anotaram idéias, referências. Ao final da reunião, Bardot olhou as horas no seu relógio de pulso e falou:
- Hora do rango! Almoça comigo?

Lucila tinha planejado fazer as unhas, mas depois de tamanha má impressão, sabia que tinha que sacrificar seu almoço falando de trabalho para desfazê-la.

As duas foram almoçar em um restaurante chique de Ipanema. Lucila já pensava no prejuízo – restaurante caro, não aceita ticket, espero que ela pague. - Como sempre acontecia, quando entraram no restaurante todos olharam para Bardot. Suas roupas sempre muito coloridas e normalmente bem descombinadas sempre chamavam atenção. Lucila no início tinha vergonha, agora já tinha se acostumado aos cochichos de outras mulheres que achavam ser discretas.

Por trás deste jeito espalhafatoso de se vestir, Bardot tinha mesmo um jeito quase materno. Era sensível não só profissionalmente, mas também nas relações pessoais. Todos a adoravam e a respeitava num patamar de ídolo. Lucila se sentia privilegiada por trabalhar com uma pessoa tão fácil de lidar.

Depois de o garçom servir as bebidas, Bardot falou:
- Você tem medo de ficar como eu, não é?

Lucila se engasgou. Tinha ouvido perfeitamente o que Bardot tinha perguntado, mas mesmo assim falou:
- O que Bardot?

Bardot sorriu. As duas foram interrompidas pelo garçom que veio anotar os pedidos. Quando ele se afastou, com calma, Bardot cruzou os braços sobre a mesa e falou:
- Lucila, minha querida. Eu tenho mais de cinqüenta anos, sou uma profissional de sucesso. Tenho uma bela cobertura na Lagoa, casa de campo, carro importado. Ajudo minha família, sustento alguns encostados. Sou feliz com que tenho, mas nem sempre tenho tudo o que quero.

Lucila ajeitou o cabelo, corrigiu a postura e deu um leve sorriso para que a chefe continuasse. Ela continuou:
- Há alguns anos, quando desisti do meu primeiro escritório e desfiz da sociedade com Luis Antônio, achei que poderia fazer outras coisas na minha vida. Viajei, conheci o mundo e pessoas bem interessantes. Mas não consegui o que queria.

Luis Antônio, todos sabiam, tinha sido o primeiro sócio de Bardot. Depois de alguns anos de sociedade, Bardot decidiu largar tudo e viajar pelo mundo. Na sua volta abriu seu próprio escritório, desta vez sem sócios.

Bardot fez uma pausa. Tomou um gole de água. Lucila estava inquieta e não se conteve:
- O que você queria? Mudar de profissão?

Rindo e balançando a cabeça em negativa, Bardot foi enfática:
- Eu queria esquecer um grande amor.

Por essa Lucila não esperava. Nunca ouvia Bardot falar sobre namorados, encontros, nada. Ninguém sabia se ela era muito discreta ou se sua vida era só trabalho.

Os pratos chegaram. – na hora errada – pensou Lucila. Mas se enganou Bardot estava mesmo determinada a falar:
- Eu precisava me afastar de Luis Antônio. Talvez você não saiba, mas tivemos um romance. – Lucila fez que não com a cabeça – É namoramos por vários anos. Eu era completamente apaixonada por ele.

Lucila sentiu um aperto quando viu a emoção de Bardot, que não tocava na comida envolvida em seu desabafo:
- No início tudo era incrível. Nos adorávamos! Tínhamos os mesmos objetivos, os mesmos ideais. Batalhamos juntos pra conseguir abrir nosso escritório. Era fantástico dividir tudo com ele. Mas em pouco tempo comecei a ver que Luis Antônio não se continha em apenas me namorar. Suas escapadas, suas mentiras, o cinismo. Tudo isso fez com que terminássemos inúmeras vezes. Ah.. ele sempre me convencia a voltar, com aquela fala mansa. Um dia percebi que a relação me fazia mais mal do que bem. Eu vivia desconfiada, não conseguia mais relaxar. E como não conseguia me separar dele, resolvi ir embora e tentar esquecê-lo.

Lucila sentia vontade de chorar. Um aperto no estômago. Suas mãos tremiam. Com a voz falhando perguntou:
- Conseguiu esquecê-lo?

- Por muito tempo achei que sim. Havíamos cortado relações. Parei de freqüentar os lugares que saberia que poderia encontrá-lo. Abri meu próprio escritório, segui minha vida. Ficamos muitos anos sem nos ver, até que em um evento que não pude deixar de ir, o encontrei.

- E aí?????

- E aí que você já sabe o fim da história, não sabe? Nunca esqueci Luis Antônio, mas aprendi a viver sem ele. Isso me dava a falsa sensação de que ele não pertencia mais a minha vida. E como não conheci ninguém que substituísse o espaço dele no meu coração, foi preciso um único encontro pra ter certeza de que tudo que eu sentia ainda estava bem aqui dentro de mim.

O clima estava muito pesado. As duas estavam completamente sensíveis com aquela conversa. Lucila tinha vontade de chorar. Tinha a sensação que já sabia o final da sua própria história. Estava escrito! Ela seria como Bardot! Sofreria o resto da vida por um amor do passado.

Bardot pegou na sua mão, como se adivinhasse tudo que Lucila sentia.
- Eu sempre me culpei por não ser mais tolerante. Talvez as pessoas possam mudar com o tempo. Quando namoramos éramos crianças. Homens são infantis, mulherengos. Eu poderia ter tentado novamente quando nos encontramos naquele evento. Ele fez de tudo para me reconquistar e eu mais uma vez lutei contra. Me arrependi.

Engolindo seu risoto como se fosse uma pedra, Lucila começou a contar a Bardot sobre ela e Rafa. Bardot confessou que já havia imaginado que ela passava por uma situação como esta. Teve certeza quando viu a cena das flores no escritório e o comentário de Carla sobre o rapaz. Por isso resolveu contar para ela sobre sua experiência. E continuou:
- Espero que você não sinta o que eu senti todos estes anos. Um misto de culpa e solidão. Eu entendi que não devo nada a ninguém que se meu coração ainda o quisesse ao meu lado, era por isso que eu precisava lutar. E foi o que eu fiz há dois meses.

- Fez? Como fez?

- Fiz sim! Fui atrás dele.

Lucila prendeu a respiração. A esta altura nem tentava mais disfarçar seu nervosismo. Olhou pra Bardot sem entender. Então, ela explicou:
- Fui atrás dele e contei tudo que sentia. Ouvi tudo o que ele tinha a me dizer. Assim como eu, ele se arrepende de muita coisa. E vinte anos depois, estamos namorando novamente. E quer saber? Estou muito feliz em acreditar que a maturidade que chegou pra mim, também chegou para ele.

O rosto de Lucila se iluminou. Era como se na escuridão do seu futuro já pré-destinado aparecesse uma pequena luz.

- Lucila, meu anjo. Não espere vinte anos para tentar ser feliz. Se é isso que seu coração quer, deixe ele mandar.

Rindo, quase gargalhando como duas amigas íntimas, o almoço seguiu mais leve. Pareciam duas ganhadoras da loteria. Pediram até vinho para um brinde. Se esqueceram completamente da lista enorme de coisas a fazer.

As duas concordavam que na vida nada era mais importante que o amor.

7 comentários:

  1. Gente tive a presença dos sentimentos de Lucila e Bardot em mim enquanto lia. Se o próx. capítulo for tao emocionante permitimos que vc demore uma semana Babi.
    bjs
    Claudinha

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  2. Simplesmente... lindo. Espero que todos possam sempre, em algum momento da vida, ir realmente atrás do que deseja.
    Bjus

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  3. Valeu a pena esperar ! beijo

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  4. Valeu a pena esperar ! Beijo

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  5. Valeu a pena esperar ...mas não demore tanto da próxima ves!
    bjs naty

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  6. As piores barreiras são exatamente aquelas que nós mesmas criamos. Seguir os nossos próprios desejos cansa, mas vale a pena!
    Estou curiosa pelo próximo capítulo! (olha a pressão... hehehehe).
    Beijinhos,
    Thá

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  7. Clap, Clap, Clap.....
    Começo a perceber meu futuro profissional....empresario de uma esposa escritora....
    te amo ! Beijo !
    Tino

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