terça-feira, 9 de junho de 2009

CAPÍTULO 44

Lucila não dormiu. Não parava de pensar nas palavras de Ana. Revia seu comportamento desde o jantar com Rafa, o dia em que ouviu dele próprio que tinha sido infiel. Nem ela sabia como havia lidado com tudo isso. Era um estranho sentimento. Em todos os seus namoros com Rafa, sempre o forçou a dizer a verdade e nunca conseguiu. E agora que sabia a verdade, não soube lidar com ela. Ao contrário Lucila suprimiu a infidelidade e apenas enxergou um Rafa submisso, humilde, desesperado pelo seu amor. Era louco isso tudo. No que ela havia se tornado? E o pior: no que o sentimento que ela tinha por Rafa havia se transformado?

“Nada” – pensou. Ela não sentia nada. Apenas orgulho, orgulho de vê-lo passar pelo que ele sempre a fez passar. Será que todo o amor que ela sempre achou ter por se resumia a um simples desejo de vingança?

Que mulher nunca sonhou em ver o ex namorado suplicando pelo seu amor e ter o gostinho de dizer um redondo não? Seria nisso que toda aquela paixão de uma vida inteira teria se transformado? Rafa só seria atraente se fosse um desafio?

Lucila rolou na cama até o dia amanhecer. Desistiu de dormir e se levantou. Era pouco mais de seis horas e Lucila decidiu ir caminhar na praia. Colocou seu tênis, um short e se foi. Copacabana já estava movimentada. Diversos velhinhos faziam seus exercícios matutinos. Lucila os acompanhava.

Enquanto caminhava achou que alguém tinha gritado seu nome. Não podia ser. Não aquela hora da manhã. Mas não era impressão. Um homem acenava. Lucila não enxergava quem era, estava contra o sol. Lucila espremeu os olhos e o reconheceu. Era Cadu que corria na orla. Ele veio em sua direção e Lucila não pode deixar de reparar no belo corpo do rapaz. Ela nunca imaginaria que por baixo daquelas roupas maltrapilhas e descombinadas pudesse ter um homem tão, tão...gostoso.

Cadu chegou perto de Lucila. Estava suado, seu cabelo como sempre despenteado, agora combinava com seu visual de atleta. Ele observou Lucila, como se surpreendesse com sua aparência.
- Oi Lú. Não sabia que você também gostava de acordar cedo.

Lucila sorriu. Tentou disfarçar, mas sabia que seria em vão. A ressaca física e moral da noite anterior estavam estampadas no seu rosto. Sem rodeios, Cadu disse:
- Não dormiu não é?

Lucila sacudiu a cabeça afirmativamente. Cadu a levou para um banco próximo onde os dois se sentaram. Ele a olhou com carinho como se quisesse saber dizer a frase perfeita para animá-la. Não sabia. Então, arriscou ser sincero:
- Desculpe me intrometer. Mas eu ontem percebi algo estranho em você. Sei que não nos conhecemos muito bem, mas você estava... diferente.

- É eu sei. Estava insuportável, não é?

Cadu não respondeu. E o ditado “quem cala consente” nunca foi tão apropriado. Ele tentou ajudar:
- Às vezes temos maus momentos. Acontece com todo mundo.

Lucila exausta e com a sensibilidade a flor da pele, começou a chorar. Entre seus soluços falou:
- Eu passei os últimos anos da minha vida procurando um grande amor. Sempre desconfiei que já tinha achado e que por circunstâncias da vida, eu tive que me afastar. Agora finalmente estávamos novamente juntos e eu consegui o que sempre queria de Rafa: sua sinceridade. Sinto que finalmente Rafa sente por mim o que eu sempre desejei que ele sentisse. Mas...

Lucila voltou a soluçar como uma criança. Cadu, meio desajeitado a abraçou. Apesar do suor no seu corpo, Lucila se aconchegou em seu peito. Precisava de um ombro amigo. Entre soluços continuou:
- Cadu, eu não sei. Mas eu acho que tudo que eu sentia por Rafa era uma ilusão. Fazia parte da minha imaginação.

Cadu a abraçou novamente, tirou o cabelo do seu rosto e a afagou como uma criança.

Lucila se sentia perdida. Não entendia toda aquela confusão de sentimentos. Mas a verdade era que Lucila caía na real: Rafa era muito mais interessante quando era um desafio. Vê-lo aos seus pés a fez perder todo o encanto. Conseguia entender o peso da traição de uma forma completamente racional. Via tudo com uma clareza impossível de existir no coração de uma mulher apaixonada.

Como se adivinhasse o que se passava na cabeça da amiga, Cadu disse:
- Tem vezes que nós buscamos fantasias para nos sentirmos vivos. Foi o que aconteceu em meu último relacionamento. Ignorei todos os sinais que ela me deu de que a relação não ia a diante. Cismei como um louco de seguir em frente, me forçando a acreditar que eu estava apaixonado e o pior: que era correspondido. Foi muito difícil pra mim admitir que me enganei, que me sabotei gratuitamente. Não se culpe, não se exija além do que você pode ir. A carência não é apenas uma palavra cafona e pejorativa, ela perigosa, mexe com os olhos, os ouvidos e com o coração da gente.

Lucila não imaginava que logo Cadu, que conhecia há poucos dias, pudesse ser tão incrivelmente sensível ao perceber o que se passava com ela. Cadu continuou com sua fala macia:
- Nós não somos mais crianças. Nossos amigos estão casando, alguns até se separando. Outros tem filhos e a sociedade, nossa família e até estes mesmos amigos começam a nos ver como vítimas, como os infelizes solteiros. E nós vestimos esta carapuça. Nos comportamos de forma irracional pra conseguir.... pra conseguir um amor.

Lucila sorriu. Era sua história, era descrição sincera dos seus sentimentos. Cadu se levantou e foi até o quiosque da praia. Lucila o observava de longe. Ainda estava absorvida pelas palavras de Cadu. Era como se ele conseguisse a ver por dentro. Já se sentia melhor e acreditava que não tinha mais que carregar nenhum peso por sentir o que sentia. Estava mais leve.

Cadu voltou trazendo duas águas de coco. Foram muito bem-vindas, já que Lucila não colocava nada no estômago desde a noite anterior. Os dois tomaram os cocos em silêncio. Quando acabou Cadu disse:
- Que tal marcarmos uma reunião em meu escritório durante a manhã?

Lucila não entendeu. Ele estava mesmo virando a chave e falando de trabalho e ainda mais marcando uma reunião com ela, que não tinha pregado o olho a noite inteira, pra daqui há algumas horas?

Cadu riu diante da cara de espanto de Lucila e continuou:
- Você liga pra Bardot, sua chefe, e diz que tem uma reunião comigo até o almoço. Que tal? Assim, você descansa e recupera o sono de que você precisa.

- Ahhh. Você me assustou. É eu acho que uma mentirinha não faz mal, né? Além do mais eu não seria capaz de fazer nada do jeito que estou.

- Então tá combinado! Descanse e se você estiver melhor, à noite podemos sair pra espairecer. Acho que nós como solteiros carentes assumidos merecemos um pouco de diversão, não é?

Lucila rindo concordou. E fez como combinado. Foi pra casa e dormiu algumas horas. Foi o que precisava pra se recuperar. Quando acordou, tinham duas ligações de Rafa. Não queria resolver nada sobre Rafa ainda, mas também não queria ser ainda mais filha da mãe com ele. Então ligou de volta:
- Oi Rafa. Desculpa não ter te atendido antes.
- Tudo bem meu amor. Como você está?
- Estou bem. Mas preciso te pedir uma coisa.
- Qualquer coisa, Lú.
- Preciso de um tempo pra mim, não quero mais agir de forma tão idiota. Sei que você vai dizer que não, mas eu sei. Então, me dê até amanhã, ok? Eu combinei um jantar hoje com uma pessoa amiga. Preciso disso. E prometo que amanhã nós vamos nos sentar e colocar tudo no lugar está bem?
- Mas o que aconteceu? Aconteceu alguma coisa? Eu fiz algo de errado? Me desculpe eu não queria...


Lucila o interrompeu. A humilhação que Rafa se permitia, agora a machucava. Se sentia ainda mais horrível.
- Rafa, você não fez nada. Por favor. Não faça isso. Eu só quero um dia pra mim, ok?

Rafa não se conformou, mas com o pavor que agora sentia em magoar e perder Lucila, nem ele entendia a forma como agia. Nunca tinha se sentido tão frágil, tão fora do controle e parecia que pela primeira vez sentia algo parecido com ciúme.

Lucila trabalhou tranqüila durante a tarde. Antes de ir pra casa parou no shopping com a desculpa de que comprar a deixaria melhor, mas na verdade queria vestir algo novo no jantar com Cadu.

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