sexta-feira, 15 de maio de 2009

CAPÍTULO 34

Consuelo voltou dias depois para visitar Bruna, mas ela já não estava mais no hospital. Segundo o rapaz que alternava o turno com seu primo Ramirez, ela tinha tido alta e tinha sido levada por um carro da polícia. Consuelo assustada perguntou:
- Imigração?

O rapaz respondeu que não. Era um carro da polícia especial de Miami. Nem ele sabia dizer o nome da unidade.

Diante disso Consuelo não sabia o que fazer. Sendo ilegal no país não poderia procurar a patroa nas delegacias de Miami, muito menos nessa tal de polícia especial. Então, fez o que sempre fazia quando precisava de ajuda: rezou.

Bruna não parecia preocupada com seu destino. Ao contrário, sua apatia dava um ar de desdém a tudo que acontecia a sua volta. Chegou na delegacia acompanhada por dois indivíduos bem vestidos, de terno. Não pareceriam policiais se não fosse pelos distintivos pendurados no pescoço e as armas encaixadas numa espécie de coldre sobre o peito. Apesar do silêncio absoluto no carro, eles foram gentis todo o tempo. Assim que chegaram, um deles abriu a porta e ofereceu ajuda para que Bruna saísse do carro. A apoiou até a entrada e por todo percurso nos corredores do prédio. Parecia uma cena de um filme policial americano. Todos aqueles homens com seus copos de café, falando alto, às vezes rindo. Poucos sentados em suas mesas, a maioria de pé discutindo alguma coisa. Bruna chamou atenção do grupo quando entrou. Apesar do seu abatimento, era uma mulher bonita, que se destacava especialmente em um ambiente tão masculino quanto aquele.

O policial abriu a porta de uma sala onde havia uma mesa e duas cadeiras. Era ladeada por uma grande janela de espelho e apenas um bebedor. Bruna se sentou ali e recusou a água ou o café oferecidos. Havia passado alguns dias no hospital e já não ligava em não comer. Comia obrigada pelas enfermeiras, que diante da sua recusa intensificaram o mix de vitaminas. Não sentia nada na verdade. Nenhuma vontade, fome ou sono. Queria somente saber de Marcelo. Mas até isso ela já não queria tanto. Tinha medo de saber a verdade e talvez a ausência de pensamentos que se forçava a ter, a confortassem mais.

Bruna ficou um bom tempo sozinha na sala. Aguardando conforme o pedido do policial. Não sabia direito o que aconteceria com ela. Não se importava. De repente a porta da sala abriu. Era uma pequena fresta por onde entrou o outro policial. Ele era um homem mais velho, com um ar mais impaciente. Ele colocou a cabeça através da fresta da porta e disse em um inglês quase incompreensível:
- A senhora tem visita.

Bruna arregalou os olhos e pela primeira vez olhou para o policial. Ficou quieta observando ansiosamente o movimento da porta. Sabia que só poderia ser Marcelo. Finalmente ele viria levá-la pra casa, tirá-la daquele pesadelo.
A porta então abriu e alguém entrou. Bruna chegou a sorrir, era como se tivesse ensaiado mentalmente um sorriso para quando Marcelo viesse. Então o homem falou:
- Não achei que ficaria feliz em me ver.
Bruna caiu em si. Apesar da familiaridade daquela voz, agora bem mais áspera, não era quem ela esperava, então com um tom quase irônico respondeu:
- Juca? Talvez seja saudade. Quem sabe.

Bruna se virou de lado, olhando para a parede e deixando claro que não queria conversa com Juca. Mesmo assim, ele fechou a porta e se sentou a sua frente. Seu rosto queimava e ele sentia que suas mãos estavam trêmulas. Tinha sonhado muito com aquele momento em que poderia dizer tudo o que pensava para Bruna. Xingar, gritar e mostrar como ela o tinha feito sofrer. Apesar disso, Juca olhou para Bruna com pena. Ver seu olhar perdido no nada, a mão ainda sobre a barriga, as olheiras e o cabelo preso sem cuidado. Era nítido o quanto aquela mulher estava sofrendo. A dor de Bruna doeu em Juca. Ele não esperava sentir isso. Ao contrário pensava que sentiria um gosto de vingança em ver que ela também tinha tido o que merecia.

Bruna continuava olhando para o nada. Juca engoliu algo que poderia ser até um choro. Virou se para ela:
- Eu sinto muito. De verdade. Sinceramente não imaginava que sentiria tanto.

Bruna segurou a cabeça com as mãos. As lágrimas começaram a cair. Não queria chorar. Não queria sentir nada, mas agora sentia. Olhou para Juca e falou:
- Dói muito. Era meu filho. Meu filho! E agora? Agora acabou. O que eu vou fazer?

Juca quis abraçá-la, mas se conteve. Apenas segurou o choro. Bruna continuou:
- Minha vida mudou nos últimos meses mais do que qualquer coisa. Não sei se fiz as escolhas certas. Talvez não. Mas meu filho era uma escolha certa. Disso eu tenho certeza. E o que aconteceu com ele....

Bruna não conseguiu mais falar. Nesse momento entrou o policial mais jovem perguntando a Juca se estava tudo bem. Juca respondeu que sim e pediu lenços de papel.

Juca tinha sido avisado pela Polícia Federal que Marcelo havia sido encontrado em Miami e que Bruna estava em poder da polícia local e provavelmente seria deportada par ser julgada no Brasil. Marcelo tinha conseguido fugir, mas com avisos em todas as fronteiras, acreditavam que ele não iria muito longe. Juca não pensou duas vezes, aceitou acompanhar o agente da PF até Miami para ver de perto todo o processo. Ou melhor, para dizer poucas e boas para Bruna e Marcelo.

Mas não foi isso que aconteceu quando viu a fragilidade daquela que foi por tantos anos a mulher da sua vida. Juca havia desmontado. Sentia raiva por ter amolecido, mas não seria justo despejar em Bruna toda sua raiva num momento tão triste como este.

Os dois ainda ficaram alguns minutos sozinhos na sala, até que o agente brasileiro da PF entrou para explicar a situação em Bruna se encontrava:
- Boa tarde, Dona Bruna Andrade. Antes de mais nada gostaria de dar meus sentimentos pelo acontecido. Apesar deste momento dramático, não posso deixar de fazer meu trabalho.

Bruna suspirou, olhou para o agente e perguntou:
- O que o senhor quer de mim? É só falar. Eu respondo tudo o que o senhor quiser.

O agente olhou para Juca e continuou:
- Primeiro vamos cuidar da sua extradição. Estamos pedindo sua extradição para ser julgada no Brasil. A senhora tem direito a um advogado brasileiro para cuidar do seu caso.

Juca o interrrompeu:
- Eu cuido disso.

O agente não entendeu, mas prosseguiu:
- Dependendo da orientação do seu advogado ele pode dificultar o processo de extradição.

Bruna olhou pra Juca e disse:
- Eu quero voltar pro Brasil. Não interessa o que aconteça comigo. Eu quero voltar.

O agente sabia que talvez esta não fosse a melhor opção para Bruna, mas era de seu interesse e da sua corporação levar Bruna para o Brasil. Ainda ficou um tempo explicando alguns trâmites até que perguntou:
- Agora a senhora sabe da sua situação. Quando for julgada, existe condições que podem aliviar sua pena. Por exemplo, se nos ajudar a encontrar o Sr. Marcelo Zacaro. A senhora sabe onde ele está?

- Não.

- Se a senhora nos ajudar, isso também ajudará no seu processo. A senhora me entendeu?

- Entendi. Mas eu não sei onde ele está. E nem porque não veio saber como eu estava quando perdi nosso filho!

O agente percebeu que havia raiva naquele comentário e se aproveitou:
- A senhora me desculpe a franqueza, mas deve ser pelo mesmo motivo que ele colocou vários imóveis e bens em seu nome. Agora a senhora terá que nos explicar como conseguiu adquiri-los e não ele.

Bruna não acreditou no que ouvia. Tinha realmente assinado alguns papéis, mas nunca pensou que precisaria desconfiar de alguma coisa. O agente tentou mais uma vez:
- A senhora pensa com calma. Não existe nenhum lugar onde o Sr. Marcelo possa estar?

Bruna pensou por um tempo e teve um “estalo”:
- O barco! Vocês procuraram o barco?

- Não encontramos nenhum barco registrado em nome dele ou em seu nome.

- Não está registrado. Me lembro que Marcelo comentou que não iria registrar o iate. Ele colocou em nome de um amigo mexicano que trabalhava com ele no projeto da operadora de turismo.

O agente anotou o nome e todos os dados que Bruna sabia sobre o mexicano e saiu da sala agitado. Bruna e Juca se olharam. Por alguns instantes Bruna sentiu um arrependimento imenso. Mas depois pensou que não tinha feito tudo isso à toa, mesmo agora sendo tão difícil sentir o tamanho do amor que ela tinha por Marcelo.

Juca desviou o olhar, mesmo sem querer parar de olhar para Bruna.

Um comentário: